Em uma campanha de controle da natalidade que incluía a abstinência sexual fora do casamento, surge um duro comentário em uma coluna jornalística, tachando a iniciativa de medieval. O autor aproveita para incitar os jovens maiores de 18 anos a que façam o que quiserem com seus corpos, por serem deles proprietários: “Pequem! Pequem! Pequem!” é o título.
Ele cita os contraceptivos, as doenças, e até admite o sexo para a procriação:
“O sexo é o motor da humanidade e por isso é tão divertido”. Ainda insiste:
“portanto, pequem! pequem com toda a convicção, pequem muito, pequem com prazer.” Diz que não há problema, porque “Deus abençoa quem acredita no amor e procura a felicidade.”
Lá pelo meio, aconselha: “Se, depois de pecar, surgir um certo arrependimento, não se preocupem. Isso é normal”. E tranquiliza, assegurando que as igrejas arrumam um jeito, “e o mais legal é que esse processo pode ser refeito”. Ele completa: “O ideal, contudo, é que não haja arrependimento.” (1)
A insólita frase chama minha atenção. Imagino então um diálogo entre o autor e Davi, o rei de Israel. O colunista explica para Davi que, por ser contrário à tese da abstinência, optou por um texto instigante. Afinal de contas, é assim que todo mundo pensa, e não estamos mais na Idade Média.
Davi ouve com atenção, tentando acompanhar o raciocínio, a começar pelo título. O autor confirma: usou três vezes o verbo pecar, de propósito. Davi, escritor escolado de fama mundial, sabe que essa repetição equivale a um superlativo. Por isso permanece quieto, pensativo. Até que, com a voz dominada pela emoção, assume a conversa:
“Faz um bom tempo. Bem antes da Idade Média. Eu era jovem. Achava que mandava no meu corpo, e no de quem eu quisesse. Eu era casado. Chamei uma mulher, também casada. Ela engravidou. Seu esposo era um oficial do meu exército e estava na batalha. Como eu a queria muito, arranjei um jeito de eliminá-lo. Casei com ela. Para muita gente, eu estava no meu direito. Era o padrão aceitável, afinal, eu era o rei. Mas aquilo me consumia por dentro. Não estava de acordo com o plano original de Deus, do homem unir-se à sua mulher, passando os dois a serem um só (2).
Esperei que o tempo consertasse tudo, mas enquanto me recusei a confessar meu pecado, meu corpo definhou, e eu gemia o dia inteiro. Dia e noite, a mão do Senhor pesava sobre mim, minha força evaporou como água no calor do verão (3). Não via saída. Foi preciso que viesse um desconhecido, um profeta.
Ele contou a história de um homem muito arrogante e explorador. Eu o interrompi, querendo logo fazer justiça. O diálogo que se seguiu, embora curto, foi tenso. Natã, o profeta, só me disse: – “Tu és este homem!” Eu, confrontado pela verdade, me rendi: - “Pequei contra o Senhor”. Natã só disse: “Também o Senhor perdoou o teu pecado.” E saiu. (4)
Arrependido, ali mesmo confessei a Deus todos os meus pecados e não tentei mais esconder a minha culpa. Disse comigo: “Confessarei ao Senhor a minha rebeldia”. E ele perdoou toda a minha culpa. (5)
Davi olhou para o colunista, com os olhos úmidos: - “Corrige o verbo, para que nossos jovens não passem pela dor que eu vivi. Bradar “Pequem, pequem, pequem!” três ou trezentas vezes só nos afunda mais na triste escravidão do pecado. Para termos verdadeira liberdade e grandeza basta um murmúrio - “pequei!”, lá do fundo do coração. Troca esse verbo!”
Aí noto que não se trata de um diálogo imaginário, mas real: de um lado nós, autor e leitores, apoiados por uma sociedade cada vez mais longe do plano de Deus. Do outro lado, Davi, com seu salmo gravado na Palavra de Deus, viva e eficaz e que permanece para sempre. (6) Dá para corrigir?
NOTAS
(1) Carlos Gerbase, Zero Hora, 04.02.2020, Segundo Caderno, p. 2
(2) Gênesis 2.24, Nova Versão Transformadora, Mundo Cristão, SP, 2016
(3) Salmos 32.3-4
(4) 2 Samuel 12. 7 e 13
(5) Salmos 32.5
(6) Hebreus 4.12 e Isaías 40.8
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