O diálogo iniciado entre Jesus e os fariseus, decorrente da controvérsia gerada pela cura do cego de nascença, deu origem à parábola intitulada ‘Jesus, o bom pastor’, no capítulo dez do Evangelho de João. Mais até do que parábola, Jesus fez uso de uma alegoria, em metáforas, para transmitir uma das mais confortantes de suas mensagens.
A frase inicial ‘na verdade, na verdade vos digo’ dá sinal de que haverá uma continuidade do assunto anterior, em forma mais ampla, tanto quanto indica a transição do diálogo para o monólogo, considerando que a partir de então Jesus estará discursando.
Os fariseus já haviam se mostrado inadequados como guias espirituais. O zelo excessivo pela lei, para além do sentido da lei, os impedia de olhar para as ovelhas. O homem curado por Jesus da cegueira de nascença foi exemplo disso. Ele se encontrava ali, no meio deles, há tanto tempo frequentando a sinagoga, mas nenhuma atenção recebeu dos lideres religiosos. A incapacidade pastoral dos fariseus foi confirmada, quando após exaustivas discussões a respeito da cura, realizada num sábado, eles decidiram expulsar o homem curado da sinagoga, sem perceber que essa decisão mostrava um claro contraste com o gesto de Jesus que o recebeu amorosamente, como faz o bom pastor.
Tendo por base essa realidade, Jesus introduziu a figura do pastor, bem familiar aos judeus, para falar de si e de sua missão. Na construção da alegoria representativa da mensagem que desejava transmitir, os elementos da atividade pastoril foram sendo utilizados por Jesus como ilustração de verdades espirituais.
Uma breve descrição desses elementos nos ajuda a entender o significado daquilo que Jesus queria transmitir.
O aprisco oriental era cercado por pedras, havendo uma porta de entrada e saída por onde passavam as ovelhas e o pastor responsável pelo rebanho. Se alguém tentasse subir o muro para ter acesso ao local, seguramente poderia ser considerado ladrão e salteador.
À noite, as ovelhas eram levadas pelo pastor para o curral, onde seriam vigiadas por um porteiro que guardava o local de entrada até a manhã, quando o pastor voltaria para buscá-las e levá-las para fora. A tarefa do porteiro era permitir a entrada somente das pessoas autorizadas, mantendo os estranhos do lado de fora. Quando chegava o pastor, o porteiro abria a porta para ele, que entrava chamando as ovelhas pelo nome; elas reconheciam a sua voz e o seguiam. Ele as levava para os pastos, onde elas encontrariam alimento e água fresca. O pastor ia à frente do rebanho, conduzindo-o por lugares seguros, colocando-se, a si mesmo, diante de possíveis perigos e protegendo as ovelhas.
Assim fazia o fiel pastor. Havia também o mercenário, que cumpria a sua tarefa somente pelo salário a receber, mas sem nenhum interesse pelo bem-estar das ovelhas. Diante do perigo, ele fugia, protegendo-se a si mesmo e deixando o rebanho entregue aos ataques do lobo.
Os fariseus ouviram as palavras de Jesus, transmitidas em linguagem alegórica como meio facilitador de entendimento da revelação que desejava fazer, “mas eles não compreenderam o sentido daquilo que lhes falava” (10:6). Foi necessário que Jesus lhes explicasse, de novo e detalhadamente, com a interpretação da alegoria, o que se tornou em preciosa oportunidade para apresentar-se como o fiel e bom pastor.
Mais uma vez Jesus fez uso da frase ‘em verdade, em verdade vos digo’. O vocábulo grego, de origem hebraica, traduzido como ‘verdade’, tem o sentido de fidelidade ou digno de confiança. Com isso, Jesus chamou a atenção para a sua autoridade messiânica.
O primeiro símbolo esclarecido foi o da porta. De forma direta e objetiva Jesus disse: “Eu sou a porta das ovelhas”; “Eu sou a porta”. “Se alguém entrar por mim, será salvo” (10:7,9), revelando-se como único meio de salvação e de acesso a Deus. Só Jesus Cristo salva o pecador; só Jesus Cristo reconcilia o homem com Deus, o que nos faz lembrar o belo hino que cantamos: “Foi Jesus que abriu o caminho para o céu; não há outro meio de ir” (Hino 306, Cantor Cristão).
Ao dizer isso, Jesus fez menção a outros que vieram antes dele e assumiram a liderança espiritual do povo, comparando-os a ladrões e salteadores, porque não cuidavam das ovelhas e as induziam a caminhos desviantes, que as afastavam do aprisco do Senhor. Eram falsos mestres e péssimos pastores para o rebanho, cuja conduta infiel e inútil está descrita em Ezequiel 34 e Zacarias 11, onde se lê as sérias repreensões do Senhor a esses líderes.
Depois de apresentar-se como a porta da salvação, Jesus, então, se revela também como o pastor, com destaque para o artigo definido o. Ele não é um entre outros pastores bons. Jesus é o bom pastor prometido pelo Senhor em Ezequiel 34: 22,23: “Eu livrarei as minhas ovelhas”...; “E levantarei sobre elas um só pastor, e ele as apascentará”. Como uma das características de identificação, esse pastor prometido viria da linhagem de Davi, como era Jesus; mas, acima de tudo, ressaltou Jesus, o bom pastor tem uma característica que o distingue: ele dá a vida pelas ovelhas (10:11). Dizendo isso, o Senhor Jesus estava anunciando a sua morte na cruz, onde Ele daria, e deu, a sua vida para a salvação de todo aquele que nEle crê (João 3:16), qualquer que seja a raça, tribo ou nação a que essa pessoa pertença.
Esse é um ponto a destacar: é que, embora estivesse diante dos judeus no momento em que fazia essas declarações, a mensagem anunciada por Jesus tinha por destino e por efeito ultrapassar as fronteiras de Israel. Se voltarmos às profecias de Isaías 56 (v.8) e de Ezequiel 34 (vs.11-14), encontraremos lá a promessa do Senhor de que Ele mesmo sairá para buscar as ovelhas dispersas, fazendo-as voltar de todos os lugares e países por onde andam espalhadas. Pelo Evangelho de Jesus Cristo, judeus e gentios convertidos seriam integrados num só rebanho, sob os cuidados de um só Pastor. Neste propósito, o Senhor Jesus disse, enquanto se apresentava como o bom pastor: “Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor” (10:16).
Pelo cumprimento dessa promessa, nós somos hoje abençoados pela salvação em Cristo, fazendo parte do rebanho do bom Pastor, nesse conhecimento mútuo que Ele próprio disse haver: “Eu sou o bom Pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim” (10:14).
Em contraste absoluto com a ação destrutiva do ladrão (símbolo de Satanás e seus agentes), que não entra pela porta (que é Jesus e seus ensinamentos), mas sobe sorrateiramente pelos muros para executar a sua má intenção, Jesus fala do seu bom projeto para a vida das suas ovelhas, num dos mais citados versículos da Bíblia: “O ladrão vem somente para matar, roubar, e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (10:10). Jesus, o bom Pastor, nos dá vida. Vida plena, abundante; aqui e na eternidade.
Se entre os nossos leitores há alguém que se encontra distante do bom Pastor, considere o convite amoroso de Jesus e aproxime-me em fé e humildade para receber dEle a salvação, vida e vida eterna. Ainda há lugar no aprisco do Senhor.
Consulta Bibliográfica
BÍBLIA VIDA NOVA. 16ª ed.
São Paulo: Edições Vida Nova, 1992.
BRUCE, F. F. Introdução e Comentário.
São Paulo: Edições Vida Nova, 1987.
MACLEOD, A. J. João, in O Novo Comentário da Bíblia. Vol.III
São Paulo: Edições Vida Nova, 1963.
Comments