Paulo, ao escrever os pequenos quatro capítulos de uma carta aos filipenses, usou 16 vezes a palavra “alegria” com o sentido de “regozijo”. Isto deve nos impressionar, porque aponta para a alegria como lugar de importância espiritual na vida cristã. Compreender a origem dessa alegria e a forma como ela se manifesta em nossa vida, é um importante destaque para hoje. Pelo viver alegre, identificamos a autenticidade da nossa fé em Jesus.
Importante, então, é buscar o sentido dessa palavra. Não estamos falando do que conhecemos por felicidade, mas sim de algo que brota do nosso interior e que não se deixa abalar por circunstância alguma. Um exemplo para nos ajudar é olhar para o que acontece lá no fundo do mar. Mesmo que haja tempestades na superfície, enormes ondas a balançar as embarcações, se um mergulhador descer alguns metros vai encontrar águas calmas, peixes se alimentando e a vegetação em crescimento. Na superfície, tumulto. Nas profundezas, paz. Assim é a alegria que Jesus nos prometeu e que brota do relacionamento com Ele.
“Finalmente, meus irmãos, alegrem-se no Senhor” Fp 3,1, conselho que se estende a todos os leitores da epístola, ou seja, a nós. Como fazer para identificar esta alegria, que nos foi concedida juntamente com a presença do Espírito Santo? Vamos apontar algumas ideias, sem a pretensão de esgotar o assunto. Cada um pode e deve aumentar esta lista e compartilhá-la com aqueles que o cercam.
Em primeiro lugar, a alegria brota quando nos libertamos da ideia de que temos que ter alguma coisa ou fazer alguma coisa para obtê-la. Vejamos o exemplo do apóstolo Paulo, que ainda estava rodeado de judeus que defendiam a ideia de que era necessário a circuncisão para complemento da salvação. Paulo, nesta carta, identificou uma série de elementos que ele possuía e que não eram essenciais à vida cristã.
“Cuidado com os “cães”, cuidado com esses que praticam o mal, cuidado com a falsa circuncisão. Pois nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos pelo Espírito de Deus, que nos gloriamos em Cristo Jesus e não temos confiança alguma na carne, embora eu mesmo tivesse razões para ter tal confiança.” Fp. 3, 2-4a
A seguir, e você pode conferir depois nos versículos que se seguem, menciona os itens que eram reconhecidos como essenciais e, empolgado, chegou a dizer que considerava tudo aquilo perda. Esta palavra, no original, tem o sentido de “ficar sem alguma coisa permanentemente”(SHEDD,R. op. cit. p. 86) Perda, porque nada daquilo trazia alegria.
O segundo item é o cuidado com os “cães”. Não temos aqui menção aos cachorrinhos que enfeitam a nossa casa e nos alegram, mas sim ao sentido que os hebreus davam ao termo. Para eles, cachorros eram impuros e não serviam para o sacrifício a Deus e nem para alimento. Os judeus se referiam aos não-judeus, como sendo “cães”. Paulo se utiliza de um conceito que eles mesmos tinham e passa a chamar os maus obreiros “cães” e adverte a Igreja a tratá-los como tais. Eram perigosos, procuravam um evangelho que destruía a fé dos novos crentes, que lhes roubava a alegria.
Há um outro destaque: se quisessem ser alegres, deveriam ser “achados” em Cristo. Em 3, 9 lemos: “e ser achado nEle, não tendo justiça própria, que procede da lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé”. Para explicar bem este ponto, que “é o cerne da doutrina paulina de salvação em Cristo” (SHEDD,R. op. cit. p. 89), o Dr. Russell Shedd nos traz uma boa ilustração.
Um mendigo, certa vez, quando perambulava na margem de um rio, caiu na água profunda. Passava por ali um homem que, ao vê-lo naquela situação de perigo, largou seus pertences de lado e salvou-lhe a vida. O mendigo, alcoolizado, tentava agradecer àquele homem com palavras de “muito obrigado” e coisa semelhante. O homem buscou um cartão onde havia seu endereço e disse ao ainda alcoolizado: se precisar de alguma coisa, dirija-se a este endereço.
Cessado o efeito do álcool, o mendigo sentiu muita fome. Procurou por comida, sem êxito, mas, ao revirar o bolso para ver se encontrava dinheiro, segurou o cartão recebido. Olhou o endereço e em pouco tempo estava diante de uma enorme e linda casa. Tocou a campainha e um empregado o recebeu, com um sorriso. Entrou e, ainda deslumbrado com o que o rodeava, encontrou o homem que havia caído no rio para salvá-lo.
O homem estendeu-lhe a mão e, com um sorriso, disse: você deve estar querendo um café. Providenciou uma farta refeição, ofereceu-lhe roupas limpas, banheiro para uma higiene perfumada e, em seguida, falou: se você quiser ficar algum tempo aqui, pode usar o quarto de hóspedes. Que maravilha! Uma pessoa que nunca havia possuído uma casa, de repente se encontra com todo aquele conforto. Havia mais: o anfitrião sempre tinha tempo para conversar com ele, parecia nunca ter pressa. Passavam muito tempo trocando idéias, simplesmente tendo comunhão. Com todo este apoio, o ex-mendigo se recuperou dos vícios e desejou trabalhar.
Um dia, alguém se aproximou dele e quis saber o que ele fazia naquela linda casa. A resposta foi: estou conhecendo aquele que me salvou a vida. Nesta resposta está o ponto que Paulo quis que soubéssemos. Um dia, Jesus nos salvou a vida. Se você ainda não sabe do que estou falando, refiro-me ao dia em que, porque reconheci em Jesus Cristo o próprio Deus, o convidei a ocupar a minha vida e a me levar a Deus. Pois bem, nesse dia Jesus veio a ser o nosso salvador, aquele que arrancou de mim a impossibilidade de ver a Deus.
Assim como a história do mendigo, foi o momento quando o homem que passava o tirou da morte no rio. No entanto, se quiser ter alegria, preciso conhecer meu salvador. Ele também tem todo o tempo para estar ao leu lado, para nos ajudar nesse processo de comunhão. Quanto mais nós O conhecermos, mais desfrutaremos da alegria plena, seremos vitoriosos nas lutas e não nos envolveremos com uma religiosidade aparente ou falsa.
O quarto item fala do cuidado com a ansiedade. “Alegrem-se sempre no Senhor. Novamente direi: alegrem-se! Seja a amabilidade de vocês conhecida por todos. Perto está o Senhor. Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus e a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o coração e a mente de vocês em Cristo Jesus.” Fp. 4, 4-8
Esses versículos, que nos são tão familiares, falam do produto natural do conhecimento de Jesus. Aquele que reserva tempo para estar a sós com o Mestre e dele receber os ensinamentos para a vida diária, tem mais facilidade em evitar que a ansiedade se instale e lhe tire a paz. A pessoa afinada com os o pensamento de Cristo identifica os fatores que são nocivos à saúde emocional e os inibe.
Essa pessoa simplesmente substitui aquilo que não faz bem pela segurança do caminhar com Cristo e da dependência dEle. Como subproduto dessa comunhão, ela também adquire uma forma de pensar que seja positiva, vencedora, porque baseada na fé em quem venceu não só as circunstâncias da vida, como também a própria morte.
Paulo também destacou este fator, quando escreveu: “finalmente, irmãos, tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas.” Fp. 4,8 e 9.
Há, ainda, um ponto que não pode ser esquecido: a alegria imensa que tem aquele que aprendeu a suprir a necessidade dos outros. Porque caminha com Jesus, aprendeu a enxergar os outros e às necessidades reais que eles têm e procura supri-las. Não estamos falando de assistencialismo e nem de paternalismo, mas de sensibilidade para o outro. Essa sensibilidade é ativa, vai ao encontro de com o desejo de suprir. Nem sempre o outro fica sabendo de onde veio o socorro, fato é que a pessoa é suprida e louva a Deus. Para aquele que provê, a alegria é incalculável.
Paulo recebeu, dos filipenses, a provisão em tempo de necessidade. Isto alegrou o seu coração ao ponto de fazê-lo escrever uma carta com tamanha profundidade que abençoa a nós também. Como é saudável ver uma igreja que aprendeu a suprir as necessidades dos demais! Como é bom quando, estando nós também com alguma carência, vemos o cuidado de Deus materializado nas mãos de alguém a quem Ele destinou para nos suprir. Que preciosa é a vida que aprendeu a dar, a suprir, a prover, a enxergar a necessidade de outros. Que alegria sente aquele que é beneficiado por esse amor.
Que sejamos hoje motivados a iniciar uma vida de tamanho significado com Deus, que, fortalecidos contra a falsa religiosidade, possamos ser canais de alegria para aqueles que nos cercam.
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