João 14 e 15
Amado ouvinte, nos aproximamos do final do livro e com ele dos acontecimentos que marcaram os últimos dias de Jesus entre nós. Os capítulos 14 e 15 do evangelho de João tratam de temas que se referem aos ensinamentos finais de Jesus aos discípulos. Na verdade, fazem parte de uma divisão maior, composta dos capítulos de 13 a 17 e que pode ser intitulada “Jesus revela o pai a seus discípulos”. Para efeito didático, essa grande divisão pode ser subdividida em três menores. A primeira delas seria o ensino sobre “A Partida e a Volta de Jesus”, presente nos capítulos de 13,31 a 14,31. Ainda aqui podemos trabalhar com unidades menores, assim sugeridas: O diálogo com Pedro (13,31-38); Diálogo com Tomé (14,1-7); Diálogo com Filipe (14,8-14) e, finalmente, o Diálogo com Judas, este no capítulo 14, versículos de 15 a 24. A seguir encontramos o que ficou conhecido como “O Legado de Jesus”, capítulo 14, 25-31. O capítulo 15, faz parte de uma segunda divisão, intitulada “Palavras finais do Mestre aos Discípulos: entre o cenáculo e o horto”. Esta segunda parte inclui o capítulo 16.
Deixamos nosso último encontro o Mestre em conversa com Pedro. Naquela oportunidade, ele destacou a necessidade de nos amarmos uns aos outros nos mesmos moldes com que ele nos amou. Agora é a vez de Tomé. O diálogo se seguiu ao mandamento de Jesus aos onze: “não se turbe”, não continue perturbado o vosso coração; ou não continue perturbado o vosso coração nem fique medroso. Em vez disso, a ordem era: crede, crede, crede. Credes em Deus? Crede também em Mim, dizia Jesus. Uma versão síria, bem antiga, registra: “Crede em Deus e em Mim estais crendo”.
A razão para que não estivessem prostrados era simples: “na casa de meu Pai há muitas moradas”. O acolhimento que Deus daria a Jesus não seria somente para Jesus. Jesus mesmo cuidaria para que fosse estendido a outros filhos. Haveria lugar para todos os que seguissem a Jesus. Claramente percebemos que a nossa salvação, por meio de Jesus e somente dEle, só se completará na presença de Jesus. Cristo prepara a parte do céu; o Espírito, a parte da terra. Tomé estava inquieto. Queria saber mais. Respondeu: “Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho? Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.”
Para o Dr. W. C. Taylor, temos aqui o “ultimatum” do Evangelho. Há uma só porta. Quem não entra por Cristo é ladrão e salteador destinado a ser jogado fora logo que sua identidade for descoberta. Há um só Pastor Universal das ovelhas. Ligai-vos com ele, sede do rebanho espiritual dele, ou não sois ovelhas da grei de Deus. Há uma só água da vida: bebei ou perecei. Há um só Pão da vida: comei ou sofrei fome. Há um só que é a ressurreição e a vida: crede ou permanecei na morte eterna. Há uma só verdade: conhecei-a ou ficai nas trevas. Há uma só Rocha em que fundamentar a esperança e a vida: edificai a vossa fé e a vida nela ou cedei ao embate do dilúvio da perdição. Há um só caminho: fincai nele, Cristo Jesus, todo o vosso curso de vida cristã e encontrai nele todos os valores desta vida, ou Deus vos será eternamente inacessível.
O caminho único e todo é Jesus. Vir para Deus por Cristo é graça e dever. Deus e o pecador se encontram em Cristo -- a histórica pessoa de Jesus, o Filho da encarnação, o Sacrifício da paixão redentora --, como viajantes que se encontram na estrada e daí por diante andam juntos na mesma estrada. A reconciliação consumada se põe em execução e operosidade por Jesus; Ele põe a mão divina sobre nós e mão humana sobre o Pai e nos une em amor indissolúvel pela fé; e como Mediador anda com Deus e conosco, sendo também o Caminho em que vamos, a Verdade em cuja realidade nos orientamos, e a Vida em que pensamos e agimos e peregrinamos até alcançar a casa de muitas moradas. Por tudo, e para todos os fins, e para toda a eternidade, Jesus é o caminho. Todos os caminhos da vida cristã são tráfego espiritual que passa pela estrada real que se chama Jesus Cristo. Todos os caminhos conduzem a Roma, mas há um só caminho para Deus. É o “ultimatum” do Evangelho.
Do diálogo com Filipe retiramos o ensinamento de que aquele que se relaciona com Jesus está se comunicando com Deus: “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço e as fará maiores do que estas, porque eu vou para meu Pai.”
O terceiro diálogo é com Judas, não o Iscariotes. Há cinco pessoas com o nome de Judas na Bíblia. Este, um dos doze apóstolos, é também chamado de Judas, filho de Tiago. A conversa com Judas é também o legado de Jesus. Acompanhe o texto: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito. Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.” (João 14, 26 e 27).
A promessa é que não seriam deixados órfãos ou privados de provedor natural. Esta é a primeira declaração sobre o Parácleto na qualidade de Espírito como ajudador. É o ensino sobre o Espírito Santo que é agora ampliado. São cinco os ensinos sobre o Espírito Santo nessa conversa ali no Cenáculo: 14,15-17; 14,25ss; 15,26ss; 16,4b-11 e 16,12-15. Nelas, o Espírito é apresentado sucessivamente como ajudador, intérprete, testemunha, promotor e revelador.
Jesus interrompe o discurso inicial e se retira com os discípulos. Há quem defenda a idéia de que o final do capítulo 14, com aquela frase “levantemo-nos, vamo-nos daqui” tem sua continuidade no capítulo 18, já no Horto. No entanto, entre a saída e a chegada ali no Getsêmane, ainda vamos encontrar a continuação dos ensinamentos e a Oração sacerdotal.
Três são os temas principais do capítulo 15, para o biblista Bortolini e vamos apenas citá-los:
O comunidade dos seguidores de Jesus é uma comunidade de iguais, sem privilégios ou hierarquias. O que importa é permanecer em Jesus, como o ramo permanece na videira. A igualdade acontece na união com Jesus e na produção de frutos.
O tema da missão: no final do primeiro século e início do segundo, a comunidade do Discípulo Amado arriscava não produzir frutos, e isso em meio aos conflitos. É que alguns defendiam que “permanecer em Jesus” fosse algo pessoal e íntimo, sem conseqüências práticas. Jesus ensinou que permanecer significa produzir frutos.
O tema do conflito: se há frutos, é inevitável o confronto com a sociedade injusta, pois foi exatamente isto que aconteceu com Jesus. Jesus promete o Espírito como Advogado para a comunidade que enfrenta o ódio da sociedade injusta. Os seguidores de Jesus não têm o que temer: o Espírito dará testemunho de Jesus e os ajudará na tarefa de testemunhar (15,27).
Que o Senhor nos ajude, então, a permanecer nEle em quaisquer circunstâncias.
APOIO BIBLIOGRÁFICO
ALLEN, Clifton J.(editor) Comentário Bíblico Broadman vol. 9 .Rio de Janeiro: JUERP. 2ª. edição. 1987. BORTOLINI, José. Como ler o Evangelho de João – O caminho da vida. São Paulo: Paulus. 7ª. edição 2005. BRUCE, F.F. João – Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão. 1987. CHOURAQUI, André. A Bíblia – Iohanân (O Evangelho Segundo João). Rio de Janeiro: Imago. 1997 TAYLOR, W.C. Evangelho de João –Tradução e Comentário. Volumes I, II e III. Rio de Janeiro:Casa Publicadora Batista. 1946.