João 1, 1-51
Diante de nós, mais uma vez, o Evangelho de João. Alguns testemunhos sobre este importante livro foram classificados pelo Dr. W. C. Taylor, teólogo, professor e personagem que atuou como missionário em nosso País. São alguns: para Orígenes, “este evangelho é a consumação dos Evangelhos, como estes o são de todas as Escrituras”. Clemente de Alexandria o considerava “um evangelho espiritual”. Lutero, assim se expressou: “se um tirano conseguisse destruir as Escrituras Sagradas e lhe escapasse um único exemplar da Epístola Aos Romanos e do Evangelho segundo João, estaria salvo o cristianismo”. A.T. Pierson acrescentou: “se Mateus corresponde à corte de Israel, Marcos à corte dos sacerdotes e Lucas à corte dos gentios, João nos conduz para dentro do Santo dos Santos”. Finalmente, Sir William Ramsay escreveu: “o quarto evangelho foi produzido no nível da eternidade.” E nós, o que temos a dizer sobre o evangelho que nos ensina tanto a respeito da divindade de Jesus?
Parte importante e que por si só nos ocuparia todo o tempo são os dezoito primeiros versículos, o chamado Prólogo Joanino. Durante muitos anos, os pesquisadores entendiam que tal trecho estava vinculado ao mundo helênico, a partir de Fílon de Alexandria, dos escritos herméticos, das influências gnósticas. No entanto, após as descobertas dos Manuscritos do Mar Morto, ficou evidente que mais que qualquer outra influência, o que alimentou o autor na busca de uma história sobre Jesus, foram as Escrituras do Antigo Testamento.
O evangelho começa com um hino ao Logos, Deus que se encarnou. Com essa forma de contar a sua história, o autor acena para a evolução da revelação até então conhecida, a do monoteísmo unipessoal do Antigo Testamento para o monoteísmo trinitário. A filiação divina de Jesus e a proclamação da Sua divindade nos conduzem a Deus como Pai, que se expressa na tentativa de traduzir o Logos de Deus: verbo, palavra, razão, idéia ou imagem e sabedoria.
Jesus é o resplendor da glória do Pai. Confessar Jesus como o Messias, o Filho de Deus, é afirmar que Deus é Pai e Filho e que este Filho eterno se encarnou. Quando isto aconteceu, cumpriu-se a promessa divina de habitar no meio do seu povo, consoante Ex. 25, 8 e Is 7,14.
O autor nos diz que esse Logos estava “no princípio”, que estava com Deus e que era Deus. Em João, o Logos é a plena expressão da mente e coração de Deus para a redenção do homem. Note que “o verbo se fez carne” é diferente de “a carne se fez Verbo”.Esse Verbo, que se fez carne, foi visto. No versículo 14 lemos que “vimos a Sua glória”. A glória, vista no Verbo encarnado, foi a glória revelada a Moisés, quando o nome “Eu Sou” ecoou nos seus ouvidos. Agora, conta-nos João, esta glória foi manifesta na terra, a partir de uma vida humana, cheia de graça e de verdade.
João Batista desempenhou papel importante neste início de evangelho. Coube a ele, apresentar Jesus a seus discípulos. Enquanto batizava, testemunhou com clareza e veemência: “Este é aquele que vem após mim, que é antes de mim, do qual eu não sou digno de desatar a correia da alparca.”(v.27). Pouco tempo depois, acrescentou: “E João testificou, dizendo: Eu vi o Espírito descer do céu como pomba, e repousar sobre ele. E eu não o conhecia, mas o que me mandou a batizar com água, esse me disse: Sobre aquele que vires descer o Espírito, e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o Espírito Santo. E eu vi, e tenho testificado que este é o Filho de Deus.” (v.32-24)
O gesto e o ensinamento de João Batista atraíram a atenção de dois dos seus discípulos. Um deles foi André. O outro, que neste evangelho aparece anônimo, possivelmente foi João. Aproximaram-se de Jesus. Ouvem-no perguntar: que buscais? Que estais procurando? Que quereis ou por que me buscas? Temos aqui, amados ouvintes, a primeira palavra de Jesus historiada por João.
Onde moras? Perguntam. “Vinde e vereis”, Jesus responde e aqui se utiliza de uma fórmula comum para entrar na casa de quem falava. Era freqüente o uso de frases assim pelos diferentes autores da época. Em linguagem de hoje, Jesus estava franqueando a sua casa para que os dois curiosos a vissem. Entraram, viram e ficaram com Jesus aquele dia todo.
Notemos que Jesus nunca foi movido por impaciência evangelizadora. O mundo à sua volta estava clamando por mudanças e por paz, mas o nosso Mestre podia ficar o dia todo com duas pessoas, ensinando-os e fortalecendo aqueles laços que acabaram de se formar. Pressa. Palavra que conhecemos bem. Não temos tempo. Jesus chega e mostra que educar envolve camaradagem entre Mestre e discípulo. Nos dizeres do Dr Taylor, “a urgência de Jesus não é impaciência, pressa, rapidez. É a capacidade de chegar ao ponto. Aí ele parava o tempo conveniente.”
A primeira coisa que André fez após conhecer Jesus foi buscar seu irmão, para que este o conhecesse também. André disse: “Achamos o Messias”. No Antigo Testamento, este adjetivo era usado para designar o rei de Israel, o ungido do Senhor, o sumo-sacerdote e, uma vez no plural, para os patriarcas no papel de profeta (Sl 105,15). No início da era cristã, a expectativa messiânica concentrava-se no rei. Jesus, no decorrer da sua vida, mostrou que era profeta, sacerdote e rei.
Não podemos dizer que André sabia o que dizia, quando usou o termo Messias. Mas temos absoluta compreensão de que Jesus viu exatamente o que seria o seu irmão, Simão Bay-Yohanan, nome completo pelo qual era conhecido. Três vezes, lembra Taylor, vemos, na Escritura, Deus mudar o nome de pessoas de destaque: Abraão, Jacó e Pedro.
No dia seguinte, Jesus vai para a Galiléia. Dirige-se a Filipe: “Segue-me” que tem o sentido de “e continua a me seguir”. Filipe, convocado, vai a Natanael e diz: “Havemos achado aquele de quem Moisés escreveu na lei, e os profetas: Jesus de Nazaré, filho de José.” (v. 45b). Natanael reage: “pode vir alguma coisa boa de Nazaré?” Estudos mostram que somente no 4º. Século Nazaré passou a ter alguma importância, mas são identificados vestígios de povoação em Nazaré tão antigos quanto a Idade Meda do Bronze, entre 2000 e 1550 aC.
Jesus recebe Natanael de coração aberto; “Eis aqui um verdadeiro israelita, em quem não há dolo”. Prestemos atenção em um detalhe importante: israelita não é jacobita. A palavra Israel, no primeiro século, circulava com uma etimologia popular que significa “o homem que vê Deus”.
Em alusão a algo conhecido somente a Natanael, Jesus lhe faz entender que sabia sobre ele muito mais do que poderia imaginar. Mouse sugeriu que a frase “debaixo da figueira” indicava “conhecimento detalhado de onde uma pessoa estava e do que fazia”. Talvez fosse um lugar onde Natanael recentemente estivera em meditação e onde recebera alguma impressão espiritual. Crês? Perguntou-lhe Jesus. “Rabi, tu és o Filho de Deus; tu és o Rei de Israel.”, responde.
Precisamos terminar, mas não poderíamos deixar de lado a resposta de Jesus: Você me chama Filho de Deus e assim me coloca no topo da escada que chega aos céus. Na outra extremidade da escada, filho, está o Filho do Homem. Sou o meio de comunicação entre o céu e a terra. Sou a verdadeira escada de Jacó. Torno real a visão contínua do céu aberto. Seja bem-vindo, israelita. Temos muito trabalho pela frente.
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APOIO BIBLIOGRÁFICO
ALLEN, Clifton J.(editor) Comentário Bíblico Broadman vol. 9 .Rio de Janeiro: JUERP. 2ª. edição. 1987. BORTOLINI, José. Como ler o Evangelho de João – O caminho da vida. São Paulo: Paulus. 7ª. edição 2005. BRUCE, F.F. João – Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão. 1987. CHOURAQUI, André. A Bíblia – Iohanân (O Evangelho Segundo João). Rio de Janeiro: Imago. 1997 TAYLOR, W.C. Evangelho de João –Tradução e Comentário. Volumes I, II e III. Rio de Janeiro:Casa Publicadora Batista. 1946.